domingo, 5 de junho de 2011

Um engano qualquer um tem!...

A segunda "Revista à portuguesa" em que participei como actor profissional intitulava-se "Quem me acaba o resto!", foi levada à cena no teatro Maria Vitória. Tinha na altura 23 anos e ainda poucos anos de carreira profissional. Foram os empresários que me telefonaram a convidar fazer parte da Companhia. Depois de aceites todas as condições contratuais, pediu-me o favor de me deslocar ao teatro afim de conhecer pessoalmente o actor Henrique Santana que, para além de cabeça de cartaz a par da Dona Florbela Quiroz, era também um dos autores e o encenador do espectáculo.


Nas recomendações que me fizeram pediram-me que, assim que chegasse à entrada dos artistas, informasse o porteiro, o Sr. Deus, dos meus propósitos e que me encontrava ali a convite do Sr. Helder Costa.


Assim foi, no dia seguinte lá estava eu a cumprir o que que haviam pedido. Mas a minha natutal ansiedade, a pouca familariedade com os teatros do Parque Mayer aliada à grande expectativa daquela entrevista de trabalho, levaram-me a esquecer o nome da pessoa a quem eu tinha que me dirigir. Esqueci-me completamente se ele se chamava "Deus" ou se era "Jesus"!

Completamente em pânico, e achando que Jesus era um nome de familia mais comum, optei por este último.

E foi assim que, com grande determinação toquei à campainha da porta que não demorou muito a abrir. À minha frente apareceu então um sujeito, já com uma certa idade, que mais tarde vim a saber ser o contra-regra da Companhia, o sr. Libertino.

Foi num só fôlego que disparei:

- Você é que é o porteiro do teatro Maria Vitória?

- Não, respondeu-me ele, ainda mais curioso, estou aqui apenas a substítui-lo por breves instantes!

Relatei-lhe a minha conversa com o empresário e que o próprio me tinha dito que: assim que chegasse à porta, pedisse logo para falar com o senhor "Jesus".

O Libertino, notando o meu engano e, com o ar mais sério deste Mundo respondeu-me:

Pois é, só que o senhor Jesus não está cá!...

- Ai não?! Então e agora? Indaguei eu preocupado!

-Ah, mas não te preocupes, rapaz, Falas com o pai dele que foi ali à casa de banho fazer xixi e já não demora nada.








terça-feira, 11 de janeiro de 2011

UMA SOLIDÃO POVOADA

São tuas estas palavras... E minhas as lágrimas!

E ando a passear-me pelos dias. Aqui e ali na busca incessante de saber mais ainda da vida, das coisas, dos lugares e das pessoas. Procuro, vezes sem conta, e talvez nunca encontre o final para este meu bater de coração, amando todas as ruas e esquinas, aldeias e cidades do mundo, e as pessoas que eu olho com um misto de admiração, ternura e um termendo respeito; os povos oprimidos de palavras amordaçadas nos tempos que ainda correm; a liberdade que falta aos que continuam com fome de escrever e de dizer livremente o que pensam.

Não, não sãos os meus fantasmas que ocupam esta «solidão povoada», quando me encontro, naturalmente, no sossego da minha sala pejada de espelhos, repleta de livros mil, de autores nunca ignorados, ou da música da Callas, que me embriaga e me fascina. Povoo a tal solidão, sim. E percorro horiontes de luz porque encontro ou reencontro as faces de muita gente. Da Romy, da Laura, e da Ivone, da Mirene e do Gomes Ferreira, do Ary e da Alda Lara, do Cesário ou do Zeca, do Brell ou da Piaf. E de tantos outros que ficaram na memória.

E de ti, minha mãe, Deolinda de todo o meu amor, que perduras nesta forma simples mas gentil, ainda na busca do afecto e das razões, porque continuo irremedialvelmente só, e sempre, mas sempre, no meio da multidão..

Já nem sei gritar palavras porque me sinto amordaçado; porque sinto que estou a chegar ao fim...

«Aos que me amam de verdade peço: quando morrer quero ser cremado, as cinzas atiradas pelas ruas da Broadway, em Nova Iorque. E não me perguntem porquê



Castro, Carlos, 2007, SOLIDÃO POVOADA, "A minha solidão povoada", Lisboa, Publicações Dom Quixote
Capa: Ideias com peso

Até amanhã, Carlos. Um beijo, como sempre!
Luís Aleluia